O mundo muda rápido, e a escola estacionou
Do Último Segundo:Professores escolhem a carreira por falta de opção, fazem faculdades que não os preparam e repetem o mesmo com os alunos
O mundo muda a uma velocidade cada vez maior. Minha geração só chegou a
conhecer a Internet na idade adulta. Hoje, a Internet é realidade para
boa parte dos estudantes brasileiros, e dificilmente eles compreendem um
mundo sem ela. Além disso, a velocidade e a variedade das tecnologias,
como celular, televisão, cinema, rádio, jornal impresso, entre outras, é
enorme. Tudo muda a toda hora. Os jornais com menos textos. Os
celulares com mais recursos. A TV e o cinema com fotografias cada vez
mais rápidas, na velocidade de vídeo clipes. Tudo isto encanta,
apaixona, conquista. E a escola? É certo que universalizamos o ensino fundamental e
caminhamos para a universalização dos demais níveis de ensino, mas de
que forma?
Diria que, se alguém dormisse pouco antes da promulgação da
constituição de 88 (que universalizou o fundamental) e só acordasse
hoje, ficaria espantado com a quantidade de mudanças no Brasil.
Aumentamos a urbanização, os carros já não são ‘carroças’, o computador
tomou conta de escritórios, repartições públicas e casas de classe
média, as ‘Lan Houses’ pipocam nos bairros pobres, fogões, geladeiras e
telefones ficaram mais populares e há mais lares, no Brasil, com celular
do que com geladeira. Porém, em um lugar esta pessoa que dormiu por anos se sentiria bem à
vontade, quase como se tivesse acordado de uma soneca. Este lugar é a
sala de aula.Na sala de hoje, como na de 25 anos atrás, ainda há um professor à
frente e um monte de aluno, em fileiras ou bagunçando. O professor
‘ditando’ um conteúdo que alguém, por algum motivo distante do
pedagógico, provavelmente para vender mais livros e apostilas, acha que é
importante.
O mundo muda rápido, e a escola estacionou. A universalização da
educação, no Brasil, nada mais é do que uma tentativa, fracassada, de
reproduzir o modelo de quando a escola era para poucos. Não dá pra ser
assim. Esta educação bancária, em que se deposita conteúdos na cabeça
dos alunos, ainda é herança do iluminismo. Da mesma forma que acreditava
que todo conhecimento poderia ser colocado em um livro, os iluministas
acreditavam que podia ser transferido para uma pessoa (e esta é a lógica
da sala de aula até hoje). Só que um cidadão médio, no iluminismo, somando todo conteúdo que
sabia, conseguia colocá-lo em cerca de cinco quilos de papel. Hoje,
cinco quilos de papel, de conteúdo, é menos do que a edição de domingo
do New York Times. Se compararmos com a Internet então, e todo o
conteúdo que existe nela, estes cinco quilos são muito pouco. Se antes,
com menos conhecimento disponível, tinha algum sentido ensiná-los, agora
não tem sentido nenhum.
Ao erro na opção de modelo de escola, somam-se outros. A
universalização aumentou consideravelmente a proporção da população em
carreiras na educação, com salários baixos sob a justificativa de que
não dava para sustentar a ampliação do sistema com salários
competitivos. Dois tipos de profissionais vão trabalhar com educação. Um
é o de vocação, que escolheu ser educador, que faz da educação quase
que uma atividade missionária. Estes são a minoria. O outro é aquele que
não encontrou lugar melhor no mercado de trabalho. É aquele que menos
se preparou, que escolheu faculdades e cursos mais fáceis e baratos que
está na educação pelo salário, mas que certamente se dedicaria a outra
profissão se conseguisse uma remuneração maior.
Todos estes educadores, sem contar com milhões de prováveis
talentosos professores que optaram por outras carreiras, receberam uma
realidade bem diferente de quando a escola não era para todos. Se antes
todos os alunos, provenientes da classe alta e média, iam à escola com
um vocabulário razoável, com conhecimentos prévios ajustados com o
conteúdo da escola, de famílias que valorizavam a educação e
acompanhavam seu rendimento, em sua maioria filhos de mães que não
estavam no mercado de trabalho e que podiam auxiliar no processo
educativo, hoje ficou tudo muito diferente. O resultado óbvio da equação de professores despreparados, alunos com
mais necessidades e tentativa de reproduzir o modelo anterior é obvio. O
fracasso.
Para atender à massa de pessoas interessadas em educação, que
paga menos do que outras profissões com exigência de nível superior,
mas mais do que pra quem não continua os estudos, proliferaram cursos de
magistério, pedagogia e licenciaturas. Sem qualidade na base, sem
qualidade no topo. A mesma lógica que afasta pessoas de vocação do
ensino básico afasta do ensino superior. A concessão política do
funcionamento de várias faculdades e universidades criou um péssimo
sistema de formação de professores. Algumas raras exceções, geralmente
nas universidades públicas, acabam mandando seus alunos direto para as
salas de aula de escolas particulares.
A formação superior dos professores não difere, na lógica de
estruturação e funcionamento, do que é a educação básica. Na educação
superior as licenciaturas não formam educadores, formam biólogos,
gramáticos, matemáticos, físicos, geógrafos, historiadores, etc.
Incentivados pelo seu curso superior, cada professor faz o mesmo na sala
de aula. Tentam formar pequenos gramáticos, geógrafos, matemáticos. É
interessante notar que o professor de matemática, em geral, não sabe
nada de literatura, o de geografia não tem ideia do que sejam as contas
de física, o de história não se dá bem com matemática; mas todos querem
que aluno saiba tudo de sua matéria.
As formações dentro da escola, quando existem, seguem um pouco a
lógica do que são os coordenadores pedagógicos. Alguém lembra as
atividades diárias de um coordenador pedagógico? Em geral é fazer
horário, ver quem faltou, atender pai de aluno, intermediar conflito,
substituir o diretor de escola, cuidar da logística da feira de artes
e/ou ciências, organizar logística da festa junina, zelar pelo bom
comportamento dos alunos, verificar preenchimento dos diários, cobrar
entrega de notas, preencher formulários burocráticos, ‘entregar’ o Plano
Político Pedagógico, entre outras atividades. Isto o coordenador não
faz por desejo, faz por necessidade. Se não fizesse, a escola sairia de
controle.
Eu pergunto: O que tem de pedagógico em tudo isto? Nada, ou quase
nada. Mas, se isto é o que faz o coordenador pedagógico, nada mais
natural que as formações de equipe estejam voltadas às áreas do trabalho
diário. A práxis (prática) leva a isto, não a concordância do grupo.
Parafraseando o educador Rubem Alves, mineiro da minha querida cidade de
Lavras, ensinar o voo não é uma coisa possível. O voo (as capacidades
cognitivas) já nasce com as pessoas, com os educadores e com os
educandos. O voo pode ser encorajado, nunca ensinado.
Em uma sociedade em transformação, com as redes sociais aceleradas
pela Internet, com conteúdo sendo produzido a toda hora e a todo
momento, com qualquer aluno podendo chegar a uma aula sabendo mais de
determinado assunto do que seu professor, com a necessidade de formamos
pessoas com capacidades múltiplas, não tem mais nenhum sentido
‘engaiolar’ professores e alunos, levando-os de cá pra lá e de lá pra
cá. A essência do ser humano, do professor ou do educando, é o voo. E
para encorajar o voo é preciso usar todo tipo de ferramenta disponível
no mundo moderno. Não existe uma receita pronta em que computador mais
internet, mais programa educativo, mais sistema de ensino, mais lousa
interativa, mais tablets é igual a super educação. Não existe porque
somos seres diversos.
Aí está a grande dificuldade em ser educador, e aí está o que não
pode ser ensinado. Cada grupo, ou até mesmo cada aluno, reage diferente a
diferentes estratégias de educação ou de ensino-aprendizagem. A
organização atual no Brasil atende sim alguns alunos, mas talvez nem 10%
do total. A imensa maioria não se sente atraída pela escola, não a
reconhece como espaço de reconhecimento, de afirmação identitária. O grande desafio para os educadores é justamente poder preparar cada
aula com muito cuidado, usando tecnologias mais próximas do educando,
fazendo da aula anterior uma avaliação para a formulação da atual, não
organizar a aula focado nas necessidades dos ditos ‘melhores alunos’ da
sala, considerar as diferenças entre os educandos, fazê-la inclusiva e,
mesmo assim, estar preparado para que tudo que foi planejado dê errado e
que a aula tenha que ir por um outro caminho, muito diferente do
planejado. Sim, é difícil, muito difícil. Mas não fazer isto é aceitar
que a educação seja instrumento de justificação das diferenças sociais.
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