Sem educação formal, irmãos ganham prêmios
Davi e Jônatas estão com as malas prontas para a primeira viagem ao
exterior: vão para a Califórnia em agosto. Ganharam as passagens e a
estadia para a Campus Party americana após vencerem um concurso na
edição brasileira do evento. Por aqui, eles concorreram com mais de 7 mil "nerds", egressos dos
cursos de Engenharia e Ciência da Computação. O currículo dos campeões,
no entanto, é bem mais modesto. Eles abandonaram a escola antes de
concluir o ensino fundamental. Os dois foram educados pelos próprios pais, em casa. "Se eu estivesse
no colégio, estaria entrando na universidade. Em casa, foquei apenas no
que gosto. Não perdi tempo nas disciplinas que não me interessam", diz
Davi, de 19 anos. Jônatas, um ano mais novo, alfineta: "Mesmo porque o
melhor é ter uma boa ideia. Depois, se for preciso, coloco um engenheiro
para programar".
A cada afirmação, os dois olham de soslaio para o pai, sentado no
sofá ao lado e se segurando para ele mesmo não responder a todas as
perguntas. A cada prêmio dos filhos - só nos primeiros quatro meses
deste ano eles já ganharam cerca de R$ 30 mil em concursos - Cléber
Nunes se convence ainda mais da decisão tomada no fim de 2005, quando
Jônatas e Davi terminaram a 5.ª e a 6.ª série. "Mas, mesmo com todos esses prêmios, ainda dizem que neguei educação
para os meninos", diz o pai, referindo-se ao crime de abandono
intelectual pelo qual ele e a mulher, Bernadeth Nunes, foram condenados
em 2010. Também teriam de pagar uma multa, estimada hoje em R$ 9 mil,
pela condenação em um processo na área cível por descumprir o Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA). "Não quitamos porque temos certeza de
que nossos filhos receberam instrução adequada", afirma a mãe.
Quem a vê tão convicta nem imagina que ela era terminantemente contra
a decisão do marido. Tanto que, na primeira tentativa de Cleber, no fim
de 2004, Bernadeth vetou a ideia. Para convencer a mulher, ele foi aos
Estados Unidos, conheceu famílias que praticavam o ensino domiciliar e
trouxe uma mala cheia de material sobre o tema. Começava aí seu processo de "doutrinação" que só tem ganhado adeptos.
A mais nova convertida é a pequena Ana, a caçula da família. Aos 5
anos, ela já sabe ler e escrever, é fluente em inglês e, apesar de nunca
ter frequentado uma escola, tem uma opinião formada sobre o que se
aprende na instituição: "Nada".
A sala de aula da menina é um cantinho do
escritório coletivo que fica no térreo do sobrado em que a família vive,
no município mineiro de Vargem Alegre. No espaço, as bonecas ficam
junto dos livrinhos de tecido costurados por Bernadeth. Enquanto a mãe ensina a menina a ver as horas, Jônatas desenvolve um
software para informatizar as mercearias do município, e Davi é capaz de
se esquecer de comer só para programar os códigos que darão origem a um
programa capaz de ajudar os candidatos a vereador e a prefeito a mapear
redutos eleitorais e traçar estratégias de comunicação. Creditam todo o aprendizado à técnica implementada pelo pai, autodidata que saiu da escola no 1.º ano do ensino médio. Assim que os tirou da colégio, Cléber os ensinou lógica, argumentação
e aritmética, base a partir da qual eles poderiam estudar o que lhes
conviessem. Davi e Jônatas decidiram ignorar disciplinas como química,
biologia e geografia. "Por que eu deveria saber o que são rochas
magmáticas?", questiona Jônatas.
Das disciplinas oficiais, ficou somente o inglês. Para estimular a
fluência, Cléber comprava cursos de informática em inglês e pedia que os
filhos legendassem documentários. Atualmente, cada um faz seu currículo e seu horário. Mas nunca são
menos de seis horas diárias, seis dias por semana. Jônatas, webdesigner,
dispersa fácil, tanto que decidiu sair do Facebook para não perder
tempo. Davi, programador, é mais centrado, cumpre à risca a grade
horária colada no mural do seu quarto, ao lado de onde se vê um
versículo bíblico em hebraico, idioma que ele aprendeu sozinho com o
intuito de compreender melhor textos do livro sagrado. A retirada dos filhos da escola coincidiu
com a decisão da família por uma vida mais simples e de retorno a
padrões morais descritos na Bíblia. Cléber abriu mão de sua empresa de produtos de aço inoxidável, como
troféus e placas de honra, para fabricar as peças no quintal de casa.
Bernadeth, que era decoradora e cursava Arquitetura, abandonou o curso
e, desde então, dedica-se a cuidar da casa e a alfabetizar a filha.
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