Da Veja:
'Professores precisam parar com desculpas', diz brasileiro que concorre a prêmio de melhor docente dos EUA
À frente de turmas que misturam crianças com autismo, adotivas e imigrantes, ele afirma que, a despeito das condições adversas, missão do educador segue sendo a de desenvolver o potencial máximo dos alunos.
Em abril, o brasileiro Alexandre Lopes, de 44 anos, pode receber um
aperto de mão do presidente Barack Obama. Ele é um dos quatro finalistas
de um tradicional prêmio americano que desde 1952 aponta o melhor
professor do ano no país. A premiação acontece na Casa Branca. Formado
em produção editorial, Lopes deixou o Brasil em 1995. Nos Estados
Unidos, trabalhou como comissário de bordo antes de se tornar professor
do ensino infantil. Desde 2005, leciona em uma escola pública de Miami,
na Flórida. Na unidade, é o primeiro especialista em educação inclusiva,
método que prevê a integração de todos os estudantes a estabelecimentos
regulares de ensino, a despeito de limitações físicas, intelectuais ou
sociais. Lopes cuida de 25 alunos com idades entre 3 e 5 anos de idade,
sendo que um terço deles tem autismo,
distúrbio que afeta a capacidade de comunicação.
Seu desafio é oferecer
conhecimento a todas as crianças, considerando dificuldades e
possibilidades de cada uma. "Meu dever como professor é fazer com que
meu aluno chegue mais próximo de seu potencial máximo, seja ele qual
for." Para cumprir a tarefa, o professor não descansa. Se quer
apresentar dinossauros aos pequenos, leva bonecos dos bichos
pré-históricos à sala de aula; se o desafio é explicar o significado da
palavra "áspero", apresenta uma lixa. A fama de bom mestre se espalhou.
No início do ano passado, o brasileiro foi escolhido pelos colegas o
melhor professor da escola e, meses depois, o melhor docente da Flórida.
Agora, ele tenta conquistar a América com o prêmio concedido pelo
CCSSO, organização que reúne secretários estaduais de educação dos
Estados Unidos. Na entrevista a seguir, Lopes conta como fez da
profissão um exercício de dedicação, que inclui a investigação do
potencial de cada criança e o desenvolvimento de estratégias quase
personalizadas para driblar obstáculos. "Meu lema é: aquele que traz
menos é sempre o que recebe mais", diz. "Situações adversas não podem
servir de desculpa."
Como um brasileiro se tornou candidato a melhor professor dos Estados Unidos?
Em
2001, a companhia aérea em que eu trabalhava apresentou um programa de
demissão voluntária, oferecendo benefícios para quem optasse pela saída.
Achei que era hora de buscar nova formação. Eu queria me especializar
em línguas estrangeiras, mas uma conselheira vocacional analisou meu
currículo e sugeriu que eu fizesse um curso de educação especial para a
primeira infância. Eu nem sabia do que se tratava, mas resolvi arriscar.
Então, me apaixonei pela área. Mais tarde, recebi uma recomendação para
uma bolsa de mestrado na Universidade de Miami. Em 2005, recebi o
convite para iniciar a primeira turma de educação inclusiva na escola em
que trabalho até hoje. Ali, ganhei fama de bom professor: algumas
famílias de outras localidades viajavam mais de uma hora para matricular
seus filhos em minhas aulas. Em 2012, fui escolhido o melhor professor
da escola pelos meus colegas, o que deu início a essa história de
premiações. Acho que uma série de fatores contribuiu para meu
desempenho: o principal é levar meu trabalho muito a sério e nunca
deixar de estudar. Além do mestrado, possuo certificação nacional em
educação especial e estou terminando o doutorado na Universidade
Internacional da Flórida. Exerço minhas funções com dedicação e carinho,
além de conhecer a fundo toda a teoria envolvida em cada ato
educacional dentro de uma sala de aula.
Como são suas turmas na escola?
Trabalho com crianças
de 3 a 5 anos. No período da manhã, tenho uma turma de 12 alunos e, à
tarde, outra de 13. Cerca de um terço dos meus alunos tem autismo. Há
também alunos filhos de imigrantes, que ainda estão aprendendo inglês,
além de crianças em condições socioeconômicas adversas, vivendo em
abrigos ou com famílias provisórias. Por serem crianças muito novas, as
turmas não podem ser grandes.
Como lidar com turmas com condições tão particulares?
Toda
a minha instrução é acompanhada por representações concretas, pictórica
e simbólica, do que está sendo dito. Se trato de dinossauros, mostra à
turma, respectivamente, bonecos dos bichos, imagens projetadas na lousa
digital e nomes dos animais. Quando conto uma história, apresento
imagens do local onde ela se passa e dos personagens envolvidos. Se digo
que algo é áspero, dou uma lixa para as crianças passarem a mão e
saberem o que aquela palavra significa.
Onde entram os fundamentos da educação inclusiva?
Defino
educação inclusiva como o método em que o objetivo é atingir o
potencial máximo de cada um dos seus alunos. Meu objetivo é fazer com
que todas as crianças progridam. Nem todas, é claro, alcançarão o mesmo
desenvolvimento. Meu dever é apenas fazer com que o aluno chegue mais
próximo do seu potencial, seja ele qual for.
Qual a maior gratificação do trabalho?
Dou muito valor
às pequenas conquistas. Certa vez, recebi um aluno no dia em que ele
completava três anos de idade. Era tranquilo, mas não falava nada.
Contudo, toda vez que eu demorava um pouco mais em uma atividade, ele me
beliscava para chamar minha atenção. Ensinei a ele que, se quisesse
algo, ele deveria pedir, apontar, tocar, mas nunca beliscar alguém. Ele
aprendeu, mas seguia sem falar. Finalmente, após quase dois anos de
trabalho, um dia isso aconteceu. Eu trabalhava com outra criança quando
alguém tocou as minhas costas. Então, ouvi uma voz rouca dizer: "Alex."
Comecei a chorar: a primeira palavra que ele disse foi o meu nome. Eu me
envolvo muito com os meus alunos. Acho que não há outra forma de
ensinar.
O senhor citou o uso de lousa digital. Suas técnicas poderiam
ser usadas no Brasil, levando em conta que nem todos os professorem têm
acesso à tecnologia em sala de aula?
Em qualquer escola do
mundo essas técnicas podem ser utilizadas. A alta tecnologia nos auxilia
em sala de aula, mas temos também o que chamo de "baixa tecnologia",
que depende exclusivamente dos conhecimentos e criatividade do
professor. Não ter as mesmas condições de ensino de outros colegas é um
desafio para muitos professores, mas isso não pode servir de desculpa.
Os educadores apresentam muitas desculpas?
Acho que a
educação passa por uma crise e temos que sair dela. Se aceitarmos
qualquer desculpa, só vamos perpetuar essa crise. Na escola em que
trabalho, há um incentivo grande para que os pais participem mais da
educação dos filhos. Eu me esforço particularmente nessa tarefa: se for
preciso, dou cambalhotas para trazê-los à escola, pois as crianças só
têm a ganhar quando os pais se envolvem na educação delas. No entanto,
não posso deixar que a ausência da família se torne uma desculpa para o
fracasso educacional do aluno. O meu lema é: aquele que traz menos é
sempre o que recebe mais. Se o desafio do aluno é aprender um novo
idioma, devo lidar com isso. Se ele tem deficiência no desenvolvimento,
devo lidar com isso. Se ele vive em uma situação de vulnerabilidade,
tenho de lidar com isso. Caso o aluno não esteja evoluindo como
esperado, o professor deve se questionar a respeito dos rumos do
trabalho.
De maneira geral, os professores americanos têm condições de trabalho melhores do que as oferecidas a seus pares brasileiros. Isso não é um desafio a mais?
Nunca
trabalhei como professor no Brasil e não conheço a fundo os dilemas
enfrentados pelos profissionais no país. As pessoas acham que um
professor Flórida é muito mais valorizado, mas não é bem assim se
compararmos essa atividade a outras. Somente agora, após muito trabalho e
dedicação, atingi remuneração semelhante à que recebia como comissário
de bordo. Se pensarmos que possuo mestrado e estou prestes a concluir o
doutorado e que um comissário de bordo precisa apenas do ensino médio
completo, há uma discrepância salarial muito grande também aqui.
O que mudou na sua vida desde que o senhor começou a acumular prêmios na profissão? Desde
agosto, após ter sido escolhido o melhor docente da Flórida, não estou
mais na sala de aula. Tornei-me embaixador da educação, com as funções
de inspirar colegas e representar o estado em conferências e atividades
educacionais. Minha vida fugiu ao meu controle (risos).
O senhor pretende lecionar no Brasil?
Eu nunca parei
para pensar nisso. Na verdade, nunca pensei que um dia seria requisitado
para tal tarefa. Tudo aconteceu muito rápido. De qualquer forma,
acredito que terei oportunidade para dividir o que sei com os
professores no Brasil. Isso me deixaria lisonjeado.
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