A Importância da Língua Brasileira de Sinais como Fator Mediador na Educação dos Surdos
Por Jaqueline Konageski Zanardini
Muito se discute sobre a inclusão do surdo em sala de aula do ensino regular. Sabe-se que, constitucionalmente, ele tem direito à educação e à saúde, bem como a solicitar um intérprete para auxiliá-lo em aula, traduzindo a língua oral para a língua de sinais. Muitas vezes, o surdo é considerado um estranho dentro de sua própria comunidade por não dominar a língua de sinais, o que dificulta ou desfavorece sua interação, uma vez que não consegue estabelecer comunicação com outro surdo nem com o ouvinte. Para ALMEIDA (2000, p.3), "O drama dos surdos é menos ligado à sua enfermidade do que às razões psicológicas que rapidamente se transformam em efeitos patológicos. A causa profunda desse drama encontra-se ligada à incompreensão da sociedade que não o vê como diferente e sim, como deficiente".
A primeira língua utilizada pelos surdos deve ser a língua de sinais, pois ela servirá de base para a aquisição da segunda língua. Assim, a língua do país de origem do surdo deve ser, na verdade, sua segunda língua, no caso do Brasil, estamos falando do Português. Estudos recentes evidenciam que as crianças surdas aprendem melhor quando são usuárias da língua de sinais. Constatou-se também que os surdos filhos de pais surdos têm melhores desempenhos escolares e são mais equilibrados mental e emocionalmente que os surdos filhos de pais ouvintes. O objetivo deste trabalho é verificar a ocorrência da Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS junto à comunidade surda, bem como analisar se estes surdos estão interagindo dentro das salas de aula.
1. A História do Surdo numa visão geral
1. A História do Surdo numa visão geral
Até o século XV, não havia nenhum interesse na educação dos surdos, que eram considerados pessoas primitivas, sendo relegados à marginalidade na vida social. Não havia direitos assegurados, nem uma cultura suficientemente desenvolvida que os aceitasse em sua diferença. É somente a partir do final da Idade Média que os dados com relação à educação e à vida do surdo tornam-se mais razoáveis. É exatamente nesta época que começam a surgir os primeiros trabalhos no sentido de educar a criança surda. O século XVIII é considerado o período mais próspero no que se refere à educação dos surdos, houve a fundação de várias escolas. Além disso, qualitativamente, a educação para os mesmos também evoluiu, já que, através da língua de sinais, eles puderam aprender e dominar diversos assuntos, além de exercer diferentes profissões.
Entretanto, no início do século XX a maior parte das escolas de surdos abandonou o uso da língua de sinais. Isto foi consequência do famoso Congresso de Milão de 1880, quando, a despeito do que pensavam os surdos, considerou-se que a melhor forma de educação seria aquela que utilizasse unicamente o oralismo. Percebe-se aí mais uma vez a tendência à padronização, considerando que o surdo, para viver em sociedade, deveria conseguir "ouvir", com o uso de aparelho e "falar", através de exaustivos exercícios, como se fosse ouvinte, para só então ser aceito pela sociedade ou pelo grupo social. Em 1857, foi fundado o Instituto Nacional de Surdos-Mudos, atual Instituto Nacional de Educação do Surdo (INES), onde era utilizada a língua de sinais. Mas com a tendência determinada pelo Congresso de Milão (1880), em 1911, o INES estabeleceu o oralismo como método de educação dos surdos. É nos anos 70, que chega ao Brasil a filosofia da Comunicação Total. Mas já na década seguinte, começa a ganhar força no país a filosofia do Bilinguismo.
Em 1968, Roy Holcon dá origem ao método de Comunicação Total, que tem como principal preocupação os processos comunicativos entre surdos e surdos, e entre surdos e ouvintes. Esta filosofia também se preocupa com a aprendizagem da língua oral pela criança surda, mas acredita que os aspectos cognitivos, emocionais e sociais, não devem ser deixados de lado em prol do aprendizado exclusivo da língua oral. Por este motivo, essa filosofia defende a utilização de recursos espaço-viso-manuais como facilitadores da comunicação. (Goldfeld, 2002, p.38)
A partir da década de 80, o Bilinguismo começa a ganhar força. Segundo esta filosofia, o surdo deve adquirir primeiramente, como língua materna, a língua de sinais, considerada a sua língua natural. Somente como segunda língua deveria ser ensinada a língua oficial do país. O Bilinguismo percebe a surdez como diferença linguística, e não como deficiência a ser normalizada através da reabilitação.
Aqui no Brasil, a preocupação em ampliar os serviços prestados aos surdos é pouca. Dificilmente os programas na televisão apresentam exibições em LIBRAS, ainda há descaso quanto à necessidade de intérpretes. Já no que diz respeito à abordagem educacional a ser adotada, não existe um consenso sobre qual delas (oralismo, comunicação total ou bilinguismo). Os surdos deixaram de ser vistos como deficientes, mas apesar disso ainda são marginalizados pela falta da oralidade. No entanto, eles têm direito a ocupar um lugar na sociedade com as mesmas oportunidades dos ouvintes. A mudança no tratamento com a pessoa deficiente resultou de alterações culturais aceitas e gradualmente vividas, e não apenas por normas e/ou leis repentinamente impostas, e sistematicamente descumpridas.
2. A Surdez e a Educação
Para educar o surdo, muitos autores discutem a respeito da busca por melhores práticas. Conforme KIRK & GALLAGHER (1996), boa parte da educação enfatiza métodos e procedimentos especiais para ensinar as habilidades de comunicação e linguagem, esperando que as mesmas, uma vez adquiridas, permitam aos alunos dominarem o currículo regular. Esse descaso pela escolaridade do surdo é decorrente da interpretação que foi construída a respeito da sua educação, que não se situa no campo do direito, mas da obrigação moral.
Segundo ALMEIDA (2000, p.3), "Surdos e ouvintes têm línguas diferentes, mas podem viver numa única comunidade, desde que haja um esforço mútuo de aproximação pelo conhecimento das duas línguas, tanto por ouvintes como por surdos". Faz parte das expectativas dos surdos e de seus pais, que estudem em escolas para ouvintes. A permanência do surdo na escola regular é à custa do acobertamento das dificuldades encontradas pelo mesmo. Os professores das salas regulares não estão preparados para o trato com os surdos, a maioria não sabe nem mesmo como comunicar-se. É necessário que exista uma formação adequada para o professor trabalhar com os surdos. Além disso, as escolas precisam se adequar a eles, e não eles se adaptarem a elas.
Muitos pais procuram a escola regular para seus filhos surdos porque a escola especial não apresenta um modelo pedagógico eficiente, uma vez que subestima suas capacidades cognitivas. No entanto, para o surdo é importante estar inserido numa comunidade onde ele possa ser compreendido. Quando um aluno surdo estuda numa escola regular, suas dificuldades de aprendizagem acabam sendo vistas como problemas de cognição. Nós, seres humanos, temos a tendência de nos reunirmos com nossos iguais. Com os surdos não é diferente, eles buscam um grupo em que possam se sentir à vontade, onde se utilize a mesma língua, a língua de sinais. Muitas vezes, as metodologias de ensino aplicadas aos surdos resumem-se apenas ao ensino de palavras. Por acharem que os surdos têm dificuldade de abstração, trabalha-se com a escolarização de baixa qualidade, uma vez que são considerados incapazes de aprender. Os surdos precisam de uma escola que atenda às suas necessidades especiais, que seja capaz de desenvolver a Língua de Sinais como primeira língua e que seja vista como uma postura política e ideológica de respeito ao grupo.
3. A Língua de Sinais
Conforme nos mostra SKLIAR (1997, p.109): ... um grupo não muito numeroso de educadores ouvintes impôs a superioridade da língua oral em relação à língua de sinais, e decretou, sem fundamentação científica alguma, que a primeira deveria constituir o único objetivo do ensino. As motivações e ideias que fizeram possível esta conclusão - que não pode nem deve ser considerada somente de natureza metodológica - são ainda hoje objeto de estudo por parte de numerosos pesquisadores. A LIBRAS não é utilizada uniformemente em todo o país. Ela está em evolução, é uma língua visual-gestual. Seu reconhecimento deu-se pela Lei Federal 10.436 de 24/04/2002, porém a Lei Estadual 12.095 de 11/03/1998, já havia sido reconhecida como meio de comunicação objetiva, o que foi um grande ato para a comunidade surda.
ALMEIDA (2000) conclui que os surdos que não são privilegiados com as línguas de sinais têm um vocabulário pobre. A autora enfatiza que a LIBRAS precisa ser considerada a primeira língua dos surdos, sendo a segunda o português, que permitirá o acesso ao mundo da escrita. No entanto, para que isso aconteça faz-se necessária a divulgação da LIBRAS pela mídia, governo e órgãos competentes, a fim de que todos conheçam a sua importância na comunicação dos surdos. A língua de sinais é basicamente produzida com as mãos, sendo auxiliada pelos movimentos do corpo e da face, que desempenham diferentes funções. Duas condições devem ser cumpridas: simetria e dominância.
ALMEIDA (2000) conclui que os surdos que não são privilegiados com as línguas de sinais têm um vocabulário pobre. A autora enfatiza que a LIBRAS precisa ser considerada a primeira língua dos surdos, sendo a segunda o português, que permitirá o acesso ao mundo da escrita. No entanto, para que isso aconteça faz-se necessária a divulgação da LIBRAS pela mídia, governo e órgãos competentes, a fim de que todos conheçam a sua importância na comunicação dos surdos. A língua de sinais é basicamente produzida com as mãos, sendo auxiliada pelos movimentos do corpo e da face, que desempenham diferentes funções. Duas condições devem ser cumpridas: simetria e dominância.
A simetria estabelece que quando duas mãos se moverem na produção do sinal, ambas deverão ter a mesma configuração, com movimentos simultâneos ou alternados. Na dominância, quando as configurações das mãos forem diferentes, apenas uma delas, a ativa, deve mover-se; a outra servirá de apoio. Segundo a SEED (1998), a estrutura gramatical é organizada nos diferentes níveis linguísticos:
- C.M. (configuração da mão): é a forma que a mão assume durante a realização dos sinais. Ex.: telefone/avião em y.
- P.A (ponto de articulação): lugar do corpo em que se realiza o sinal. Ex.: laranja/aprender (mão fechada na boca ou na testa).
- M. (movimento): é o deslocamento da mão no espaço durante a realização dos sinais. Ex.: educação/frango/homem (1º mão em L no braço, na cabeça e na barba).
A língua de sinais é tão eficaz quanto a oral, pois é plena e tem estrutura gramatical própria, permite a expressão de qualquer significado, pois contém todos os mecanismos adequados de comunicação. No entanto, para ocorrer avanço nesta área, faz-se necessário o treinamento de intérpretes e professores, para que utilizem a LIBRAS com maior facilidade. Conforme SKLIAR (1997, p. 141): A língua de sinais constitui o elemento identificatório dos surdos, e o fato de constituir-se em comunidade significa que compartilham e conhecem os usos e normas de uso da mesma língua, já que interagem cotidianamente em um processo comunicativo eficaz e eficiente. Isto é, desenvolveram as competências linguísticas e comunicativa - e cognitiva - por meio do uso da língua de sinais própria de cada comunidade de surdos.
A língua de sinais permitirá que os surdos constituam uma comunidade linguística diferente, e não que sejam vistos como um desvio da normalidade. Mas ela ainda é utilizada por um grupo muito restrito, os quais vivem em desvantagem social, de desigualdade e que participam limitadamente na vida da sociedade majoritária. Apesar de muitas pesquisas demonstrarem que a língua de sinais cumpre com as funções traçadas para as línguas naturais, ela é muito desvalorizada. Segundo BOTELHO (2002, p. 26): O estigma e o preconceito fazem parte do nosso mundo mental e atitudinal, tendo em vista que pertencemos a categorias - mulheres, negros, analfabetos, políticos, professores, judeus, velhos, repetentes na escola, pós-graduados, estrangeiros, desempregados - que são recebidas com pouca ou muita ressalva por um grupo determinado. Não importa a qual grupo pertençamos, mas sim a qual queremos pertencer, e é direito de cada indivíduo escolher o lugar na sociedade a que melhor se adapte.
Considerações Finais
A LIBRAS permite ao surdo uma forma de comunicação diferente que deve ser respeitada, pois trata-se de uma língua legalmente reconhecida, apesar de apenas uma minoria utilizá-la. Além disso, são os ouvintes que fazem dela um problema, uma vez que não conseguem entendê-la. Várias pesquisas já demonstraram que a língua de sinais cumpre com os aspectos linguísticos, uma vez que possui todo o processo próprio da língua, que leva a comunicação. Foi enfatizado também que a primeira língua a ser adquirida pelo surdo é a LIBRAS, e que sua difusão é muito importante para que as pessoas tenham conhecimento da influência que ela exerce na comunicação dos surdos.
Percebe-se que há pouco uso da LIBRAS pelos ouvintes que trabalham diretamente com os surdos em sala de aula. Os professores alegam não ser esta a disciplina deles, e não se esforçam para estabelecer contato com o surdo. No que diz respeito ao preconceito, ele existe, visto que o surdo, na maioria das vezes, não consegue estabelecer contato com o ouvinte. Por outro lado, a discriminação é algo sutil no caso dos surdos, pensa-se que o domínio da língua de sinais é suficiente para incluí-los na sociedade. Assim, a inclusão passa por uma transformação muito mais profunda no pensar, ver e agir de cada um. A discriminação vem do ato de encarar o outro como alguém menor ou menos capaz do que o eu. Isto, no entanto, é algo cultural, que nenhuma lei no mundo sozinha pode mudar. Portanto, a linguagem de sinais deve passar a ser reconhecida na prática social como uma verdadeira língua, com organização e estrutura próprias, passando do status de mímica para o de língua.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Elizabeth Oliveira Crepaldi de Almeida. Leitura e Surdez: um estudo com adultos não oralizados. Rio de Janeiro: Revinter, 2000.
BOTELHO, Paula. Linguagem e Letramento na Educação dos Surdos: ideologias e práticas pedagógicas. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
GÓES, Maria Cecília Rafael de. Linguagem, Surdez e Educação. Campinas,SP: Autores Associados, 1996.
GOLDFELD, Márcia. A criança Surda: linguagem e cognição numa perspectiva sociointeracionista. 2a ed. São Paulo: Plexus Editora. 2002.
GOLDFELD, Márcia. A criança Surda: linguagem e cognição numa perspectiva sociointeracionista. 2a ed. São Paulo: Plexus Editora. 2002.
KIRK, Samuel A. e GALLAGHER, James J. Educação da criança excepcional. 3a ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. A integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Memnon: 1997.
SEED/DEE. Aspectos Lingüísticos da LIBRAS. Curitiba, 1998.
SKLIAR, Carlos (org.). Educação & Exclusão: abordagens sócio-antropológica em educação especial. Porto Alegre: Mediação, 1997._________________. A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998.
Leia também:
0 comentários:
Postar um comentário