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6 de janeiro de 2012

A função social da linguagem verbal

A multiplicidade de funções da linguagem verbal possibilita a cada homem participar da sociedade, integrando-se em um processo cultural mais amplo. Partindo do pressuposto de que a língua representa uma cultura e tem, portanto, um valor de representação, inúmeros lingüistas desenvolveram hipóteses teóricas na tentativa de descrever um conjunto mais amplo de funções.

Karl Bühler, lingüista e psicólogo alemão, sistematizou as funções da linguagem tomando, como ponto de partida, a representação - característica, por excelência, da língua - e reconhecendo duas outras funções, a manifestação psíquica e o apelo. Kainz, discípulo de Bühler, por considerar que a representação está presente em todo ato lingüístico, introduziu uma alteração no quadro de seu mestre. Para Kainz, a representação está presente em três funções: a informação, a manifestação psíquica e o apelo.


Jakobson, por sua vez, manteve as três funções apontadas anteriormente, mas atribuiu-lhes novos nomes: referencial, emotiva e conativa, respectivamente. Além disto, introduziu três novas funções: fática, metalingüística e poética. Distinguiu, portanto, seis funções ao todo, relacionando cada uma delas a um dos componentes do processo comunicativo. Desta forma, em cada ato de fala, dependendo de sua finalidade, destaca-se um dos elementos da comunicação, e, por conseguinte, uma das funções da linguagem. 



Elementos da Comunicação
Funções da Linguagem
contexto (referente)
referencial
remetente
emotiva
mensagem
poética
destinatário
conativa
contato (canal)
fática
código
metalingüística


Quadro das Funções da Linguagem segundo Jakobson


É preciso esclarecer que as seis funções não se excluem - dificilmente temos, em uma mensagem, apenas uma dessas funções. Entretanto, é engano pensar que todas estejam presentes simultaneamente. O que pode ocorrer é o domínio de uma das funções; assim, temos mensagens predominantemente referenciais, predominantemente expressivas, etc. Embora se reconheça que o estudo das funções da linguagem, centradas nos componentes do ato da fala, seja importante para perceber como o texto se constrói, é preciso lembrar que este estudo não deve se restringir a si mesmo, como é comum em diversos livros didáticos de Língua Portuguesa. Esta orientação tem trazido como conseqüência, para o estudante, uma visão estanque da linguagem, como se as funções pudessem existir independentes umas das outras, desvinculadas dos mecanismos de construção da textualidade.


Lingüistas como Lyons (1977), Brown e Yule (1983) retomaram o estudo das funções da linguagem, com outras abordagens. Brown e Yule enfatizam a importância da análise da língua em uso e apontam apenas dois termos para definir as mais importantes funções da linguagem: a transacional - relacionada com a expressão do conteúdo - , e a interacional, que expressa relações sociais e atitudes pessoais. Atualmente, a tendência é considerar duas grandes funções da linguagem: a cognitiva ou referencial e a pragmática ou interacional.
 

"A Pragmática é uma dimensão no estudo da linguagem que pretende compreender o estudo da língua como meio de ação, de atuação sobre os ouvintes ou leitores. Ela leva em conta os interlocutores e o contexto de situação. Quais são os elementos lingüísticos capazes de atuar no leitor? Eles são variados e ocorrem nos diferentes níveis lingüísticos, isto é, na seleção vocabular (léxico), na construção sintática, no uso de figuras (estilística) e nas estratégias semântico-pragmáticas ao apresentar idéias e argumentos." (Souza e Carvalho,1992)


Ingedore Koch, em Linguagem e Interação, ao procurar descrever e explicar as estratégias lingüísticas utilizadas pelo ser humano para interagir socialmente, discute as diferentes concepções de linguagem: 


"A linguagem humana tem sido concebida, no curso da História, de maneiras bastante diversas, que podem ser sintetizadas em três principais:
a) como representação ("espelho") do mundo e do pensamento;
b) como instrumento ('ferramenta") de comunicação;
c) como forma ("lugar") de ação ou interação.
A mais antiga destas concepções é, sem dúvida, a primeira, embora continue tendo seus defensores na atualidade. Segundo ela, o homem representa para si o mundo através da linguagem e, assim sendo, a função da língua é representar (= refletir) seu pensamento e seu conhecimento de mundo.
A segunda concepção considera a língua como um código através do qual um emissor comunica a um receptor determinadas mensagens. A principal função da linguagem é, neste caso, a transmissão de informações.
A terceira concepção, finalmente, é aquela que encara a linguagem como atividade, como forma de ação, ação interindividual finalisticamente orientada; como lugar de interação que possibilita aos membros de uma sociedade a prática dos mais diversos tipos de atos, que vão exigir dos semelhantes reações e/ou comportamentos, levando ao estabelecimento de vínculos e compromissos anteriormente inexistentes. Trata-se, como diz Geraldi (1991), de um jogo que se joga na sociedade, na interlocução, e é no interior de seu funcionamento que se pode procurar estabelecer as regras de tal jogo."


Essa interação se realiza de maneiras diferentes conforme a modalidade de uso da língua: na língua escrita, por exemplo, o emissor não está em intercâmbio direto com o receptor, e, por isso, a explicitação de todos os elementos é fundamental para a compreensão da mensagem e o contexto extralingüístico deve ser descrito em detalhe; na conversação natural, são muitas as informações que não precisam aparecer sob a forma de palavras, já que o contexto situacional e os dados que falante e ouvinte dominam, um do outro, permitem a seleção das informações que serão subtendidas.


Na língua falada, portanto, a compreensão não depende apenas de uma decodificação linear dos componentes semânticos dos vocábulos utilizados no enunciado -- a compreensão deve ir mais além. É aí que surge o conceito de implicatura conversacional, exigindo inferências por parte do interlocutor -- esse é o espaço de estudo da pragmática. Quando alguém se dirige a outra pessoa, dizendo: "Ufa, que calor, hein!", pode estar querendo abrir a janela, ou ligar o ventilador, sem um pedido direto. A mensagem só será entendida se o interlocutor estiver ligado na situação, decodificando possíveis gestos e expressões faciais do falante. 

Também as piadas são textos que exigem inferências por parte do ouvinte, já que seu conteúdo ultrapassa o âmbito da mera significação das palavras, jogando sim com uma contextualização mais ampla e com dados que são de conhecimento restrito de um grupo social, de uma comunidade específica, de um momento histórico. Não é à toa que não entendemos piadas de americanos e ingleses, por exemplo, que se consideram grandes humoristas. Por não dominarmos as referências culturais, contextuais ou situacionais das suas piadas, não conseguimos fazer as inferências necessárias.


Leia a expressão poética do lingüista Hjelmslev sobre o conceito de linguagem:

"As funções da linguagem" , de Louis Hjelmslev.
A linguagem - a fala humana -
é uma inesgotável riqueza de múltiplos valores.
A linguagem é inseparável do homem e
segue-o em todos os seus atos.
A linguagem é o instrumento graças ao qual
o homem modela o seu pensamento,
seus sentimentos,
suas emoções,
seus esforços,
sua vontade e seus atos,
o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado,
a base última e mais profunda da sociedade humana.
Mas é também o recurso último e indispensável do homem,
seu refúgio nas horas solitárias em que o espírito
luta com a existência,
e quando o conflito se resolve no monólogo do poeta
e na meditação do pensador.
Antes mesmo do primeiro despertar de nossa consciência,
as palavras já ressoavam à nossa volta,
prontas para envolver os primeiros germes frágeis de nosso pensamento
e a nos acompanhar inseparavelmente através da vida,
desde as mais humildes ocupações da vida quotidiana
aos momentos mais sublimes e mais íntimos
dos quais a vida de todos os dias retira,
graças às lembranças encarnadas pela linguagem, força e
calor.
A linguagem não é um simples acompanhante,
mas sim um fio profundamente tecido na trama do
pensamento;
para o indivíduo, ele é o tesouro da memória e
a consciência vigilante transmitida de pais para filho.
Para o bem e para o mal,
a fala é a marca da personalidade,
da terra natal e da nação,
o título de nobreza da humanidade


Leituras Complementares sobre funções da linguagem

  1. KOCH, Ingedore, G. Vilaça. A inter-ação pela Linguagem. S.Paulo, Contexto, 1996
  2. OLIVEIRA, Elizabeth Brait et alii. Aulas de Redação. São Paulo. Atual, 1980, pp 22 / 31
  3. SOUZA, Luiz Marques e CARVALHO, Sérgio Waldeck de. Compreensão e produção de textos. Rio de Janeiro, Libro, 1992. pp 9 / 15.
  4. VAN DIJK. Cognição, discurso e interação. S.Paulo, Contexto, 1992.


    1 comentários:

    Ale Costa disse...

    Muito boa esta postagem. Aliás já li coisas bem interessantes aqui. Linguagem é um assunto que muito me interessa, mesmo com meu total desconhecimento do assunto.

    Uma pena viver em uma época de total desvalorização da linguagem, em especial neste país culturalmente miserável...
    Abraços!
    Ale.
    http://ordem-natural.blogspot.com


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