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19 de janeiro de 2013

As propostas de Salman Khan

Do Estadão:

'Com tecnologia, é possível ter ensino personalizado'

Famoso por suas videoaulas na internet, educador diz que papel do professor mudou e atual modelo de escola está ultrapassado

O educador visita o País pela primeira vez nesta semana para conhecer como anda a educação por aqui  - JIM WILSON/THE NEW YORK TIMES–7/9/2011

De adição às equações diferenciais, inflação à Teoria dos Jogos, história da arte à Guerra da Coreia, é difícil encontrar um assunto sobre o qual o educador norte-americano Salman Khan, de 36 anos, não tenha falado em suas videoaulas de, em média, 12 minutos de duração e que viraram febre mundial.  

Tudo começou despretensiosamente em 2004, quando ele passou a ajudar, de Boston, uma prima com dificuldades em matemática que morava em New Orleans. A solução era utilizar a internet para enviar pequenos tutoriais de aritmética gravados com um software simples de captura de som e imagem. Enquanto escrevia com o mouse na tela do computador, Khan explicava os conceitos.   

Dois anos depois Khan teve a ideia de publicar os vídeos em um canal do YouTube batizado de Khan Academy. O sucesso veio em pouco tempo: as aulas atraíram milhares de visitantes - e também de elogios. Em 2009, o norte-americano pediu demissão do emprego de analista de fundos de investimento para se dedicar exclusivamente à sua academia virtual.   

Os assuntos se diversificaram e hoje, além de matemática, há aulas de ciências, economia e humanidades. A coleção de Khan tem mais de 3,8 mil vídeos, que já foram assistidos pelo menos 224 milhões de vezes só no canal oficial do YouTube.  Apesar do potencial econômico, a Khan Academy é uma organização sem fins lucrativos que vive basicamente de doações de gente como Bill Gates. "Khan é pioneiro de um movimento global de uso da tecnologia para que mais e mais pessoas aprendam, não importa onde estejam. É o início de uma revolução", costuma dizer Gates, ele próprio um fã das videoaulas.

A segunda maior audiência da Khan Academy vem do Brasil. O educador visita o País pela primeira vez nesta semana para conhecer como anda a educação por aqui e divulgar seu livro Um Mundo, Uma Escola. Ele deve se reunir na quarta-feira com a presidente Dilma Rousseff e o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, em Brasília. Na última quinta-feira, Khan conversou com o Estado por telefone de seu escritório na Califórnia.   

O que o sr. pretende conversar com a presidente Dilma Rousseff?  
Geralmente falo com os governos sobre como ter um sistema de educação mais acessível e equânime. Isso passa pela forma de se certificar conhecimentos. Podemos criar um jeito de as pessoas provarem que sabem algo independentemente do modo pelo qual aprenderam, seja na universidade, na internet, no livro-texto ou no trabalho? Para mim, bastaria ir a um lugar, mostrar a carteira de identidade, fazer uma prova e sair com as credenciais.   

O sr. acha que os diplomas atuais vão perder valor se agora é possível aprender a partir de diferentes fontes e não apenas na escola e na universidade?  
Os diplomas já perderam valor, e não por causa da educação a distância. Se você for a diferentes países, verá que nem todos vão para as melhores universidades. A maioria estuda na sua cidade ou Estado. Mesmo que você frequente uma excelente faculdade, dê duro e aprenda bastante, ainda será difícil para que em outros lugares entendam o que você sabe ou não. O diploma diz muito pouco, é apenas um indicativo de suas competências. Como dar às pessoas algo que deixe evidente o que elas sabem? Precisamos de uma solução para isso.   

Como a Khan Academy deve ser utilizada nas escolas?  
O melhor é caminhar para o modelo de sala de aula invertida em que os alunos aprendam a seu próprio ritmo com a Khan Academy e o professor veja na base de dados quem está com dificuldade e retrabalhar os conceitos em pequenos grupos, pedindo àqueles que já entenderam que ajudem os colegas. Nesse processo, o aluno aprende de forma personalizada e interage com outras pessoas. E assim que compreende o assunto pode fazer um teste. É uma questão de mudar a estrutura e o tempo da sala de aula. As classes devem deixar de se basear nas aulas expositivas, já que agora elas estão disponíveis na internet. Na escola, o tempo deve ser gasto com seres humanos se reunindo e se ajudando.   

Quais são os impactos dessa revolução tecnológica nos professores e qual o papel deles em um mundo no qual os estudantes são mais ativos e autônomos?  
A maior parte do tempo do professor é gasto dando aulas expositivas. E quando ele não está fazendo isso, está criando e corrigindo provas e planejando aulas. Esses aspectos da carreira docente, nos próximos 5 ou 10 anos, poderão ser feitos por meio de ferramentas virtuais sob medida. A resposta à sua pergunta, então, é: interagir com os estudantes. Em vez de isso ocupar 10% do tempo do professor, como vemos hoje, pode se tornar 90% da ocupação dele, ou até 100%.   

Então teremos um professor exercendo mais um papel de tutor? Algo que vemos em universidades como Oxford?  
Exatamente. Várias das vezes em que descrevo esse cenário as pessoas acham que estou tirando a importância do professor no processo educacional, desvalorizando-o. Às vezes um tutor parece menos importante que um professor ou mestre. Mas é como você salientou: este é o modelo de Oxford. Você tem o mestre, pessoa muito talentosa no que faz, que senta com o aluno e o desafia intelectualmente. Para mim, isso exige uma habilidade muito maior do professor do que planejar uma aula e dá-la de modo previsível.   

Só o Estado de São Paulo tem mais de 5 mil escolas e 4 milhões de alunos. Dá para inverter todas as salas de aula da rede?  
Não tenho a ilusão de que isso vai ocorrer da noite para o dia (risos). Mas está acontecendo mais rápido do que eu esperava aqui nos EUA, pelo menos. Temos 20 mil salas de aulas usando a Khan Academy. Não foi por ordem do governo, mas uma decisão dos professores ao perceberem que podem ajudar seus alunos e tornar as aulas mais produtivas. Não se trata de dizer aos docentes o que devem fazer, mas fazê-los entender que isso deixará a vida deles melhor e fará com que gostem mais do trabalho.   

No Brasil, só conseguimos colocar quase todas as crianças na escola há cerca de 20 anos, mas falta qualidade ao ensino público. Como a tecnologia pode ajudar a transformar este cenário?  
Do lado dos professores, ela permite saber com mais precisão se as crianças estão aprendendo. Mas o ideal seria padronizar os critérios de avaliação, para que seja possível comparar o desempenho dos estudantes não só ao dos colegas, mas em uma escala nacional. Isso depende de que o resultado do dever de casa que o aluno faz à noite vá para um sistema integrado da escola, do Estado, do País. Assim, a qualquer momento se pode ter um diagnóstico da educação. O que um professor espetacular pode fazer com esses recursos é inacreditável.   

E pensando no estudante?  
Um aluno brasileiro pode ter acesso à mesma aula de cálculo que o filho de Bill Gates. Não depende mais de sua escola ser boa ou não porque fica numa região pobre da cidade.   

Nosso modelo de salas de aula existe desde o século 18. Estamos desenhando o futuro da educação nos dias atuais?  
Espero que sim. Se as melhores escolas estão fazendo essas mudanças, eu vou copiar. No nível universitário você vê grandes instituições como Stanford, Harvard e MIT dizendo que não há mais sentido em dar apenas aulas expositivas, que o ensino tem de ser mais interativo e personalizado, e que precisamos repensar o significado dos certificados de conhecimento e competências. Quando instituições desse tipo mudam, o efeito se espalha por outras universidades e até no ensino médio. Em cinco anos, as melhores escolas vão estar invertendo a sala de aula, então para o resto dos colégios não será uma questão de 'Devo fazer?', mas de 'Como posso fazer isso também?'.

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