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1 de janeiro de 2012

Planejamento educacional - Parte VIII - Docentes nota 10

  
Os caminhos da autonomia

Colocada em xeque pela sociedade contemporânea, a capacidade do professor de analisar e tomar decisões em sala de aula está relacionada com boa formação e profissionalização do ofício docente


Um professor anda a passos apressados rumo à escola em que trabalha. Já perto do local, é surpreendido por uma pedra de gelo, que é jogada por seus alunos de ensino médio da janela do prédio. Quando o docente finalmente chega à sala de aula, encontra um caos. Com os estudantes engajados em colocar fogo num determinado recipiente, o professor explode, coloca os meninos para fora, grita com as meninas e logo se retira. "Fiz a única coisa que jurei nunca fazer: perdi as estribeiras", desabafa com uma funcionária da escola. Na sequência, anda de um lado para o outro, chamando os alunos de "endiabrados" e afirmando já ter tentado de tudo para salvar "aquelas crianças". Quando menciona a palavra "crianças", tem uma epifania: talvez a saída seja inseri-las no mundo dos adultos, pensa. Volta, então, à sala de aula, e imediatamente joga os livros na lata do lixo. "De agora em diante, vocês serão tratados como adultos, com todas as responsabilidades que isso envolve", avisa.

A história é conhecida por muitos educadores brasileiros, já que o professor em questão é Mark Thackeray, interpretado por Sidney Poitier no filme Ao mestre, com carinho. Na cena em que escolhe uma nova estratégia para lidar com os adolescentes - provar que há uma relação direta entre o que ele ensina e o mundo que os cerca -, Mark está sozinho. A decisão foi tomada por ele a partir de seu próprio poder de análise, aliado a seu repertório e experiência. É justamente esta capacidade que, recentemente, vem sendo colocada em xeque no Brasil. No embalo de uma tendência da sociedade contemporânea de cercar o acaso e predeterminar todas as coisas, o mercado editorial tem apostado em livros que trazem uma coletânea de procedimentos para auxiliar o docente a desempenhar suas funções.

Em março, a editora Da Boa Prosa traduziu, com o patrocínio da Fundação Lemann, o título Aula nota 10, do norte-americano Doug Lemov, que traz 49 técnicas "para ser um professor campeão de audiência". Em novembro deste ano, também chegou às livrarias brasileiras a obra O princípio da pirâmide: a lógica, publicada pela editora Canal Aberto e escrita pela também norte-americana Barbara Minto. O livro, que já vendeu 45 mil exemplares em países como Inglaterra, EUA, China, Alemanha, Japão, Noruega e Vietnã, tem o objetivo de mostrar a diversos profissionais (entre eles, o professor) como "se comunicar de forma eficiente".

Ambos os livros desenterram um debate antigo na educação, que foi acentuado com a introdução dos sistemas apostilados nas redes de ensino brasileiras: a autonomia docente. Assim como materiais apostilados, os livros partem da visão de um professor que é incapaz de dar conta de uma aula - a diferença é que as apostilas tratam de conteúdo, e os títulos mencionados, das metodologias e didáticas de ensino. Mas se é verdade que a grande maioria dos professores brasileiros é mal formada e depende de materiais prescritivos para dar boas aulas, é preciso, no mínimo, problematizar essa afirmação.

Em primeiro lugar, entendendo por que há receptividade a esses materiais e em que medida eles dão conta do problema da formação. Em segundo, investigando qual a concepção de educação e de ser humano que eles trazem para a sala de aula. Também é necessário pensar em longo prazo. Se o professor que leciona atualmente não é autônomo, como preparar os futuros docentes para pensarem por si próprios? E, por último, deve-se ter em mente que, mesmo num cenário ideal, o conceito de autonomia envolve o estabelecimento de padrões mínimos para a profissão, tanto no que diz respeito ao currículo quanto ao trabalho docente. Basta lembrar o caso da Finlândia, onde o governo concede autonomia a seus professores, mas há o mínimo de consenso nacional sobre o que um professor deve fazer em sala de aula.
Uma das pesquisadoras que assinam a contracapa do livro Aula nota 10 é Bernadete Gatti, da Fundação Carlos Chagas. Conhecida por seu trabalho na área de formação docente, Bernadete afirma que o livro de Lemov é "uma contribuição concreta" em um cenário de ausência de literatura sobre didática e práticas de ensino. "Perdemos os conhecimentos concretos de didática, das práticas de ensino, da discussão da atividade em sala de aula, do planejamento do ensino e do planejamento da aula", aponta a pesquisadora. Segundo Bernadete, esses conhecimentos não são tratados nos cursos de pedagogia ou nas licenciaturas. "Perdemos o pé no Brasil. Temos pesquisadores da área de ''''ensino de'''' que têm feito alguma pesquisa didática, mas muito pequena", assinala.

É nesse sentido que Ilona Becskeházy, diretora de qualidade da educação da Fundação Lemann, acredita que o livro de Lemov traz aspectos interessantes para os professores. Como a instituição desenvolve trabalhos nas áreas de formação e gestão, Ilona coleciona bons exemplos de como o planejamento de aula não é bem feito pelos docentes brasileiros. "Vimos professores que usam a ideia do mercadinho durante três dias para ensinar matemática, mas sem um objetivo pedagógico por trás da atividade", conta. Para Ilona, o livro é um "atalho bem assentado" para a realidade brasileira, já que traz elementos solidificados do que se entende por administração da sala de aula. "O Lemov diz: você deve planejar de tal, tal e tal forma", diz. Sobre a possibilidade de que o livro execute um papel similar ao dos livros de autoajuda, Ilona afirma não ter preconceito contra esse tipo de literatura. "Quanto mais explicativo for, mais facilita minha vida", aponta...
Julio Groppa Aquino defende que a questão passa pelo problema da falta de autoridade docente, assunto sobre o qual a literatura é extensa: autores como o educador Jan Amos Comenius e o filósofo Immanuel Kant já o discutiam nos séculos 17 e 19, respectivamente. "É a discussão mais antiga que existe. Ela nasce com os fundadores da pedagogia, que o tempo todo falam dessa condição sine qua non do trabalho do professor", coloca.

Há outra discussão antiga nesse debate, que esbarra nos problemas da formação docente. O argumento usado por quem defende tanto os sistemas apostilados quanto os livros recém-lançados é o de que é necessário tomar alguma providência em relação aos professores mal formados que atuam nas redes. Romualdo Portela, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp), concorda. "Para o mal formado, é melhor tê-los do que não ter nada. Mas mais cedo ou mais tarde vamos entrar nas questões de formação e retenção docente", explica. No que diz respeito à formação, uma pergunta fica no ar: se a ideia é formar bons professores que não dependam exclusivamente de apostilas ou manuais para dar boas aulas, quais são os pilares que devem nortear os cursos de formação e licenciaturas?  

Especialistas e educadores ouvidos pela reportagem de Educação mencionam os seguintes aspectos que devem ser considerados, de maneira que os professores atuem futuramente de maneira autônoma: integração entre teoria e prática, conhecimento do objeto de ensino e de metodologias de ensino e presença de um lastro ético-político de atuação nos professores. Mas a autonomia também passa por uma maior profissionalização do ofício docente, no sentido de se instituir condições de trabalho determinadas, valorização social, regras claras para a formação e certificação do professor e para sua avaliação de desempenho.

No âmbito da formação, a residência pedagógica tem se mostrado como uma alternativa ao estágio, já que firma parcerias mais sólidas entre a universidade e a escola. O modelo facilita o movimento de reflexão sobre a prática, considerada essencial para que o futuro profissional saiba analisar e resolver situações em diferentes contextos. O curso de pedagogia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), por exemplo, dá grande ênfase às residências. Da mesma maneira, toda a estrutura do curso STEP, em Stanford, é alicerçada na união entre prática e teoria. O modelo é procurado por diversos países, como Chile, Hungria e o próprio Brasil(representado pela mesma Fundação Lemann), que buscam adaptá-lo a suas realidades locais  Leia mais


Leia também:

Planejamento educacional - Parte I - Didática

Planejamento educacional - Parte II - Planejamento diário

Planejamento educacional - Parte III - A necessidade de ser flexível

Planejamento educacional - Parte IV - Melhorando a velha sala de aula

Planejamento educacional - Parte V - O plano de aula

Planejamento educacional - Parte VI - Projeto político pedagógico

Planejamento educacional - Parte VII - Planejando o ano escolar de 2011

Planejamento educacional - Parte VIII - Docentes nota 10

Planejamento educacional - Parte IX - Planejando 2012 e singrando novos rumos

Planejamento educacional - Parte X - Organização e planejamento em família

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