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2 de março de 2012

Meu apoio ao Exército neste deprimente episódio da comissão da meia verdade

Naturalmente este não é um espaço para a política partidária, afinal somos um blog que trata do tema educação. Mas a política é inerente ao ser humano desde longas datas e o sistema democrático, desde que concebido há também muito tempo, faz do homem (leia-se também nós mulheres) um bicho político. Apesar de não praticarmos textos ligados às práticas (quase sempre equivocadas) da política nacional, vez por outra episódios ligados à educação são aqui transcritos e comentados. Contudo, eu não poderia deixar de me manifestar contrária à arbitrária criação dessa que chamam comissão da verdade. 

Esse mondrongo que tem por finalidades esclarecer violações aos direitos humanos no período pós-ditadura de Getúlio Vargas até o final do regime militar é, a meu ver, uma excrescência (algo inútil, supérfluo). Claro que não poderíamos esperar coisa diferente dessa gente de esquerda, rançosa e primária, mas é que há inúmeros macroproblemas em nosso país que deveriam priorizar a mente e o espírito de congressistas e demais servidores públicos, eleitos ou não. O caráter revanchista dessa coisa é de uma torpeza sem precedentes, que só perde em termos de baixaria ao caráter não menos unilateral. 

Não quero e não irei aqui entrar em minhas convicções de quem teve razão ou não naqueles períodos nada sombrios dos anos 60 e 70. Penso no hoje e no amanhã e é o que falta realmente aos nossos homens e mulheres públicos. E para que querer achincalhar nossas Forças Armadas, se na verdade o que vemos em países evoluídos é a sociedade aplaudindo seus cidadãos de farda porque veêm neles a garantia da segurança nacional? Grosseira essa iniciativa. Desnecessária essa briga e essa tentativa notória que estamos vendo no governo de insuflar seus quadros militares, esquecendo que os cargos eletivos passam, as instituições ficam. 

Gostaria de externar meu pensamento, transcrevendo um post do Jornalista Ricardo Setti, em que ele aponta o por que essa comissão é de meia verdade. Quem tem inteligência que tire suas conclusões e tente propagar sobre a inutilidade e a tendenciosidade desse monstro sectário criado à revelia de mais de 150 milhões de brasileiros que não colocaram Dilma Rousseff no lugar onde está a fazer barbeiragens:

O governo cometeu grossa inverdade para justificar a criação da Comissão da Verdade

A presidente Dilma e os ministros Maria do Rosário (Direitos Humanos), José Eduardo Cardozo (Justiça), Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Celso Amorim (Defesa), além do presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, Antônio Rodrigues Barbosa, durante a cerimônia de sanção da lei que criou a Comissão Nacional da Verdade, no dia 18 de novembro (Foto: Wilson Dias / Agência Brasil)

A nota divulgada na sexta-feira passada pelos clubes militares na qual oficiais da reserva manifestam “preocupação” com declarações sobre a ditadura militar feitas por duas ministras do PT (Eleonora Menicucci, da Secretaria de Políticas para as Mulheres, e Maria do Rosário, dos Direitos Humanos) e as especulações que vêm circulando sobre os sete nomes que a presidente Dilma indicará para compor a Comissão da Verdade trouxeram à tona um tema que estava temporariamente em banho-maria. Só para lembrar: a Comissão foi criada por lei do Congresso, por iniciativa do então presidente Lula, “com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas” no período que vai de 18 de setembro de 1946 até 5 de outubro de 1988, “a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”. Na prática, a comissão deve se concentrar nas violações de direitos humanos praticadas sobretudo durante a ditadura militar (1964-1985), por agentes do regime.
Não há o objetivo de punir ninguém.

Os objetivos da Comissão

Os objetivos estão mencionados no texto do artigo 3º da lei, a saber:
“I – esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações de direitos humanos mencionados no caput do art. 1o; [refere-se ao que escrevi no parágrafo acima iniciado com “só para lembrar...”].
II – promover o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria, ainda que ocorridos no exterior;
III – identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionados à prática de violações de direitos humanos mencionadas no caput do art. 1º e suas eventuais ramificações nos diversos aparelhos estatais e na sociedade;
IV – encaminhar aos órgãos públicos competentes toda e qualquer informação obtida que possa auxiliar na localização e identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos, nos termos do art. 1º da Lei no 9.140, de 4 de dezembro de 1995; [este artigo diz o seguinte: “São reconhecidos como mortas, para todos os efeitos legais, as pessoas que tenham participado, ou tenham sido acusadas de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, e que, por este motivo, tenham sido detidas por agentes públicos, achando-se, deste então, desaparecidas, sem que delas haja notícias”.]
V – colaborar com todas as instâncias do poder público para apuração de violação de direitos humanos;
VI – recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional; e
VII – promover, com base nos informes obtidos, a reconstrução da história dos casos de graves violações de direitos humanos, bem como colaborar para que seja prestada assistência às vítimas de tais violações. “
Está tudo muito bem, está tudo muito bom.

Os então ministros Rogerio Sottili, Luiz Paulo Barreto, Paulo Bernardo e Nelson Jobim: autores do projeto da Comissão Nacional da Verdade

Uma grosseira inverdade

Só que a Exposição de Motivos encaminhada a Lula em abril de 2010, assinada pelos então ministros Rogerio Sottili (interino dos Direitos Humanos), Nelson Jobim (Defesa), Luiz Paulo Barreto (Justiça) e Paulo Bernardo (Planejamento), comete pelo menos uma grosseira inverdade ao justificar e fundamentar o que era então um projeto de lei. Vamos lá, comprovando o que digo. A “Exposição de Motivos n.º 14 /2010 – Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República/Ministério da Defesa/Ministério da Justiça/Ministério do Planejamento”, datada de 30 de Abril de 2010, diz, em seus itens 4 e 5, o seguinte:

“4. No mundo todo, foram constituídas mais de 30 Comissões da Verdade, em contextos de transição política, superação de conflitos armados internos ou de períodos ditatoriais, uma das ferramentas daquilo que é denominado “justiça transicional”. Apesar dos diferentes contextos históricos, políticos, sociais, legais e culturais e das diferentes dinâmicas e formatos adotados, todas as Comissões tiveram como objetivo principal promover a reconciliação nacional, por intermédio da revelação, registro e compreensão da verdade sobre o passado de violações de direitos humanos nos respectivos países.

5. Como exemplos emblemáticos podemos citar a Comissión Nacional sobre la Desaparición de Personas, constituída na Argentina, que teve como escopo a investigação dos casos de desaparecimentos forçados, ocorridos durante o regime de exceção enfrentado por aquele país, e a Truth and Reconciliation Commission constituída na África do Sul com escopo de apurar violações de direitos humanos ocorridas no período do Apartheid, buscar indenizações e instaurar processos de anistia.” Perfeito. Por ora, neste post, deixemos de lado a Comissión Nacional sobre la Desaparición de Personas de Argentina e concentremo-nos na Truth and Reconciliation Commission (Comissão da Verdade e Reconciliação) da África do Sul.

Na África do Sul, sessão da Comissão da Verdade e Reconciliação: ouvindo os dois lados

A Comissão da África do Sul ouviu os dois lados, e não só os repressores do governo

Há várias diferenças entre a Comissão da África do Sul, estabelecida por lei em 1995, que seria uma das inspirações fundamentais do governo lulo-petista para tomar a iniciativa que tomou, e a Comissão da Verdade brasileira – a começar pelo número de membros: 18 membros, na África do Sul – presididos por um homem de tremenda reserva moral e dignidade pessoal, o arcebispo anglicano e Prêmio Nobel da Paz Desmond Tutu. Ela também se subdividiu em três comitês: os de Anistia, de Reparação e Reabilitação (R&R) e de Violação de Direitos Humanos (HRV). Há outras diferenças. Mas existe uma DIFERENÇA FUNDAMENTAL entre as duas, que, marotamente, a Exposição de Motivos brasileira omitiu. A Comissão sul-africana, oficialmente denominada Comissão Sul-Africana da Verdade e Reconciliação (conhecida pelas iniciais TRC, comissão da verdade e reconciliação em inglês), diz seu site oficial, “foi estabelecida pelo Governo de União Nacional [da África do Sul posterior ao final do regime racista do apartheid, em 1994, com a eleição livre e direta do líder anti-apartheid Nelson Mandela como presidente da República] para colaborar no trato do que aconteceu sob o apartheid. O conflito durante esse período resultou em violência e abusos dos direitos humanos que partiram DE TODOS OS LADOS [as maiúsculas são nossas]. Nenhum setor da sociedade escapou a esses abusos”.

Violações por parte do Estado ou de “qualquer outra organização, grupo ou invidíduo”

E coube ao Comitê de Violações dos Direitos Humanos, textualmente, “investigar os abusos de direitos humanos que ocorreram entre 1960 [ano em que ocorreu o Massacre de Sharpeville, quando as autoridades brancas mataram 69 cidadãos negros e provocaram ferimentos em centenas para reprimir uma manifestação] e 1994 [eleição de Mandela e de um Parlamento livre, que aprovou uma Constituição dois anos depois], com base em depoimentos (…). O Comitê estabeleceu “a identidade das vítimas, o que ocorreu com elas ou sua atual localização, e a natureza e extensão dos danos que elas sofreram; [de novo, as maiúsculas são do blog]; E SE AS VIOLAÇÕES FORAM RESULTADO DE PLANEJAMENTO DELIBERADO PELO ESTADO OU QUALQUER OUTRA ORGANIZAÇÃO, GRUPO OU INDIVÍDUO”.

O arcebispo Desmond Tutu muitas vezes não resistiu à emoção durante os depoimentos

Audiências públicas, choro e pedidos de perdão

Assim sendo, prestaram depoimento pessoas torturadas ou presas injustamente, parentes de militantes assassinados, famílias atingidas pelo terrorismo de grupos nacionalistas negros, chefes militares do regime racista, policiais, agentes dos serviços secretos, integrantes de milícias brancas paramilitares, guerrilheiros do grupo “Lança da Nação”, ou MK, ligado ao hoje partido no poder Congresso Nacional Africano e fundado pelo próprio Mandela, praticantes de atos terroristas, de atentados, de ações de barbárie contra fazendeiros brancos etc etc. As audiências eram públicas — a uma certa altura, passaram a ser transmitidas pela TV –, e os responsáveis por crimes em muitos casos choraram e pediram perdão a suas vítimas. O conteúdo dos depoimentos forneceu material para que a verdadeira história da África do Sul fosse devidamente reconstituída nos livros de História. Teve, também, consequências na vida das pessoas: houve pagamentos de indenizações, tratamentos médicos e psiquiátricos e, obedecidas determinadas condições, a concessão de anistia aos que reconheceram publicamente seus crimes.

Muito diferente do que se vai fazer no Brasil

Assim sendo, a Comissão da Verdade e Reconciliação foi profundamente diferente da que se pretende no Brasil. Foi perfeita? Foi impecável? Deixou todos os setores da sociedade sul-africana satisfeitos e felizes? A resposta, naturalmente, é não. Houve setores que não se conformaram com a não punição de assassinos, outros consideraram que a comissão entrou em detalhes demais, ou em detalhes de menos. O fato é que a iniciativa marcou época, ajudou a curar cicatrizes de um longo período de injustiça, discriminação e barbárie, contribuiu para a consolidação da maior e mais importante democracia da África e serviu de inspiração, até o momento a 19 outros países que passaram por guerras civis ou grande comoções internas.

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