Raquel de Queiroz dizia não acreditar em Deus, mas, ao mesmo tempo, admitia que sentia falta de ter fé. O tema permeia diversas passagens de sua vida
Desde que conheci Rachel de Queiroz, havia algo que parecia nos separar, além de sua grandeza e minha pequenez, existia um hiato que por fim descobri: era a fé.
Àquela época eu sonhava em ser sacerdote e Rachel, minha musa literária, dizia não acreditar em Deus, mas, era estranho. O primeiro livro dela se inicia exatamente assim: "Depois de se benzer e de beijar duas vezes a medalhinha de São José, Dona Inácia conclui: ´Dignai-vos ouvir nossas súplicas, ó castíssimo esposo da Virgem Maria, e alcançai o que rogamos. Amém´".
No lar paterno, Rachel aprendeu a ler e escrever, recebendo as primeiras lições de seus pais, mas, faltou a educação religiosa. Foi por isso que ao visitar a família, sua avó Rachel ao constatar que a neta não sabia rezar, recomendou que a levassem para estudar no Colégio da Imaculada Conceição para ser educada por freiras vicentinas. E a menina foi para o Colégio. Aprendeu muito pela educação formal, contudo, sobre a religiosidade, apenas lampejos.
Confessava a falta de fé, mas, não se gloriava disso. Percebia-se nela a angústia de quem busca Deus. Numa das inúmeras entrevistas que Rachel concedeu, disse a um jornalista: "Eu não posso dizer que tenho fé, porque me falta fé. É terrível, é uma pobreza horrorosa. Eu sonhava em ter um pouquinho de fé, mas infelizmente nunca tive esse socorro e é muito duro você atravessar os reveses da vida sem ter uma religião, uma fé em que se apoie. Eu sei por experiência própria".
Ainda assim, Rachel não se configurava aquele intelectual anticlerical. Nunca li uma crítica negativa dela relacionada à Igreja ou a sacerdotes ou a freiras. Muitos de seus artigos abordavam a temática religiosa numa forma positiva.
Rachel deixou uma peça inédita intitulada "O Padrezinho Santo" e publicou "A Beata Maria do Egito", inspirada na tradição das beatas de Juazeiro do Norte; escreveu inúmeras crônicas sobre o Natal e o Menino Jesus, São Vicente de Paulo, Santo Antonio, Dom Hélder Câmara e Padre Cícero. A propósito do Padre Cícero, Rachel escreveu uma bela página na revista "O Cruzeiro" quando ocorreu o centenário do religioso, depois transcrito em Cem Crônicas Escolhidas e abordou em várias ocasiões a visita que fizera ao Santo de Juazeiro e este, querendo oferecer-lhe um regalo, pergunta à mocinha: "Minha filha, o que você quer levar de Juazeiro?". Ela respondeu: "Um punhal, meu Padrinho, desses com cabo de ouro que só aqui em Juazeiro sabem fazer".
Quando ela estava saindo de Juazeiro, um mensageiro veio com um pacote e entregou-lhe dizendo que tinha sido o Padre Cícero que lhe mandara. Ela abriu ansiosa e encontrou um crucifixo e indagou ao mensageiro se ele não tinha mandado um punhal que era o que ela havia pedido. Ele respondeu: "Meu Padim mandou dizer que o crucifixo era o punhal do sacerdote". Ela recebeu, também, uma foto autografada pelo Padre Cícero. O tempo passou e as duas relíquias não mais existiam. O crucifixo, não sabia que fim havia tomado nas tantas mudanças pelas quais passara; o cartão autografado fora levado numa das batidas que a polícia fizera à sua casa em tempos de repressão.
Um dia desses num sebo virtual, ofereciam um livro de Rachel que eu já possuía a um preço mais elevado que o de comum. Decidi telefonar ao livreiro para indagar o que de curioso havia. Ele respondeu: "Além do autógrafo, tem uma fotocópia amarelada de uma fotografia de um padre". Fiz a compra. Dias depois, recebi o livro. Dentro, a cópia da foto do Padre Cícero com a seguinte dedicatória: "À delicada escritora Rachel de Queiroz. Pe. Cícero Romão Baptista. Jro (Juazeiro), 14/6/930". Valeu a aquisição.
Em uma entrevista a Pedro Bial (1996), Rachel falou, com naturalidade sobre a morte e citou uma jaculatória na qual dizia: "Nossa Senhora das Graças dai-me logo a morte, mas dai-me uma boa morte".
Ouvi de sua irmã, Maria Luiza de Queiroz, que Rachel achava linda a oração do Pai Nosso. Pois bem: na missa de minha formatura em Direito, Rachel rezou, segurando minha mão, o Pai Nosso e respeitou todo o rito litúrgico, naquela que, creio eu, tenha sido a última missa que ela participou.
Desde que conheci Rachel de Queiroz, havia algo que parecia nos separar, além de sua grandeza e minha pequenez, existia um hiato que por fim descobri: era a fé.
Àquela época eu sonhava em ser sacerdote e Rachel, minha musa literária, dizia não acreditar em Deus, mas, era estranho. O primeiro livro dela se inicia exatamente assim: "Depois de se benzer e de beijar duas vezes a medalhinha de São José, Dona Inácia conclui: ´Dignai-vos ouvir nossas súplicas, ó castíssimo esposo da Virgem Maria, e alcançai o que rogamos. Amém´".
No lar paterno, Rachel aprendeu a ler e escrever, recebendo as primeiras lições de seus pais, mas, faltou a educação religiosa. Foi por isso que ao visitar a família, sua avó Rachel ao constatar que a neta não sabia rezar, recomendou que a levassem para estudar no Colégio da Imaculada Conceição para ser educada por freiras vicentinas. E a menina foi para o Colégio. Aprendeu muito pela educação formal, contudo, sobre a religiosidade, apenas lampejos.
Confessava a falta de fé, mas, não se gloriava disso. Percebia-se nela a angústia de quem busca Deus. Numa das inúmeras entrevistas que Rachel concedeu, disse a um jornalista: "Eu não posso dizer que tenho fé, porque me falta fé. É terrível, é uma pobreza horrorosa. Eu sonhava em ter um pouquinho de fé, mas infelizmente nunca tive esse socorro e é muito duro você atravessar os reveses da vida sem ter uma religião, uma fé em que se apoie. Eu sei por experiência própria".
Ainda assim, Rachel não se configurava aquele intelectual anticlerical. Nunca li uma crítica negativa dela relacionada à Igreja ou a sacerdotes ou a freiras. Muitos de seus artigos abordavam a temática religiosa numa forma positiva.
Rachel deixou uma peça inédita intitulada "O Padrezinho Santo" e publicou "A Beata Maria do Egito", inspirada na tradição das beatas de Juazeiro do Norte; escreveu inúmeras crônicas sobre o Natal e o Menino Jesus, São Vicente de Paulo, Santo Antonio, Dom Hélder Câmara e Padre Cícero. A propósito do Padre Cícero, Rachel escreveu uma bela página na revista "O Cruzeiro" quando ocorreu o centenário do religioso, depois transcrito em Cem Crônicas Escolhidas e abordou em várias ocasiões a visita que fizera ao Santo de Juazeiro e este, querendo oferecer-lhe um regalo, pergunta à mocinha: "Minha filha, o que você quer levar de Juazeiro?". Ela respondeu: "Um punhal, meu Padrinho, desses com cabo de ouro que só aqui em Juazeiro sabem fazer".
Quando ela estava saindo de Juazeiro, um mensageiro veio com um pacote e entregou-lhe dizendo que tinha sido o Padre Cícero que lhe mandara. Ela abriu ansiosa e encontrou um crucifixo e indagou ao mensageiro se ele não tinha mandado um punhal que era o que ela havia pedido. Ele respondeu: "Meu Padim mandou dizer que o crucifixo era o punhal do sacerdote". Ela recebeu, também, uma foto autografada pelo Padre Cícero. O tempo passou e as duas relíquias não mais existiam. O crucifixo, não sabia que fim havia tomado nas tantas mudanças pelas quais passara; o cartão autografado fora levado numa das batidas que a polícia fizera à sua casa em tempos de repressão.
Um dia desses num sebo virtual, ofereciam um livro de Rachel que eu já possuía a um preço mais elevado que o de comum. Decidi telefonar ao livreiro para indagar o que de curioso havia. Ele respondeu: "Além do autógrafo, tem uma fotocópia amarelada de uma fotografia de um padre". Fiz a compra. Dias depois, recebi o livro. Dentro, a cópia da foto do Padre Cícero com a seguinte dedicatória: "À delicada escritora Rachel de Queiroz. Pe. Cícero Romão Baptista. Jro (Juazeiro), 14/6/930". Valeu a aquisição.
Em uma entrevista a Pedro Bial (1996), Rachel falou, com naturalidade sobre a morte e citou uma jaculatória na qual dizia: "Nossa Senhora das Graças dai-me logo a morte, mas dai-me uma boa morte".
Ouvi de sua irmã, Maria Luiza de Queiroz, que Rachel achava linda a oração do Pai Nosso. Pois bem: na missa de minha formatura em Direito, Rachel rezou, segurando minha mão, o Pai Nosso e respeitou todo o rito litúrgico, naquela que, creio eu, tenha sido a última missa que ela participou.
Rachel tinha profundo desejo de ter fé. Seu desejo fez com que ela amasse figuras santas e quando de seu sepultamento, profundamente emocionado, fazia eu algumas reflexões a respeito, no Cemitério São João Batista, em Botafogo, Rio de Janeiro, onde Rachel fora sepultada; contemplei a paisagem acima de seu túmulo, sombreado por uma árvore, plantada por ela própria em homenagem ao marido Oyama Macedo, que ali jaz, e deparei-me com o Cristo Redentor, com os braços abertos, do jeito que a acolheu em seu Reino.
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